O ex-ministro da Justiça Sergio Moro afirmou que não vai admitir ser chamado de mentiroso e que vai apresentar à Justiça provas contra o presidente Jair Bolsonaro que mostram que ele tentou interferir indevidamente na Polícia Federal. A declaração foi dada em entrevista à revista Veja.
Ele aproveitou para enfatizar que reitera tudo que falou em seu pronunciamento, mas que esclarecimentos adicionais serão dados apenas quando for chamado pela Justiça. "As provas serão apresentadas em momento oportuno, quando a Justiça solicitar", afirmou.
Moro também chegou a contar que o presidente anunciou que vai divulgar um "vídeo-bomba" contra ele, mas não comentou sobre o que poderia se tratar.
"Combate à corrupção não é prioridade do governo"
O ex-ministro também falou sobre corrupção e enfatizou que o combate a malfeitos não é prioridade do governo atual e que algumas situações foram surgindo no decorrer da gestão. "Começou com a transferência do Coaf para o Ministério da Economia. O governo não se movimentou para impedir a mudança. Depois, veio o projeto anticrime. O Ministério da Justiça trabalhou muito para que essa lei fosse aprovada, mas ela sofreu algumas modificações no Congresso que impactavam a capacidade das instituições de enfrentar a corrupção. Recordo que praticamente implorei ao presidente que vetasse a figura do juiz de garantias, mas não fui atendido. É bom ressaltar que o Executivo nunca negociou cargos em troca de apoio, porém mais recentemente observei uma aproximação do governo com alguns políticos com histórico não tão positivo. E, por último, teve esse episódio da demissão do diretor da Polícia Federal sem o meu conhecimento. Foi a gota d’água", disse à revista.
Moro afirmou que Bolsonaro tem muito poder e que tem prerrogativas que devem ser respeitadas, mas elas não podem ser exercidas arbitrariamente. "Não teria nenhum problema em substituir o diretor da PF Maurício Valeixo, desde que houvesse uma causa, uma insuficiência de desempenho, um erro grave por ele cometido ou por algum de seus subordinados. Isso faz parte da administração pública, mas, como não me foi apresentada nenhuma causa justificada, entendi que não poderia aceitar essa substituição e saí do governo. É uma questão de respeito à regra, respeito à lei, respeito à autonomia da instituição", pontuou.
"Não é minha intenção ser algoz do presidente"
O pronunciamento de despedida de Sergio Moro causou grande impacto entre a população e ele afirmou que entende que a opinião pública compreendeu o que disse e os motivos da fala. "É importante deixar muito claro: nunca foi minha intenção ser algoz do presidente ou prejudicar o governo. Na verdade, lamentei extremamente o fato de ter de adotar essa posição. O que eu fiz e entendi que era minha obrigação foi sair do governo e explicar por que estava saindo. Essa é a verdade", disse.
Após as denúncias de Moro, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que fosse aberto um inquérito para apurar se o presidente tentou de fato interferir na PF para fins políticos. Dessa forma, Moro afirmou que ficou entendido que a requisição de abertura desse inquérito, que o aponta como possível responsável por calúnia e denunciação caluniosa, foi intimidatória.
"Dito isso, quero afirmar que estou à disposição das autoridades. Os ataques mais virulentos vieram principalmente por redes virtuais. Não tenho medo de ofensa na internet, não. Me desagrada e tal, mas se alguém acha que vai me intimidar contando inverdades a meu respeito no WhatsApp ou na internet está muito enganado sobre minha natureza."
Sobre o presidente, Moro afirmou que gosta dele. Sobre o governo, também disse que há vários ministros competentes e técnicos. "O fato de eu ter saído do governo não implica qualquer demérito em relação a eles. Fico até triste porque considero vários deles pessoas competentes e qualificadas, em especial o ministro da Economia. Espero que o governo seja bem-sucedido. É o que o país espera, no fundo. Quem sabe a minha saída possa fomentar um compromisso maior do governo com o combate à corrupção", comentou.
"Não quero pensar em política nesse momento"
Questionado sobre o que pretende fazer a partir de agora, ele afirmou que está num período de quarentena. "Tive 22 anos de magistratura. Deixei minha carreira com base em uma promessa não cumprida de que eu teria apoio nessas políticas de combate à corrupção. Isso foi um compromisso descumprido. Não posso voltar para a magistratura. Eu me encontro, no momento, desempregado, sem aposentadoria. Tudo bem, tem gente em situação muito mais difícil que a minha. Não quero aqui ficar reclamando de nada. Pedi a quarentena para ter um sustento durante algum tempo e me reposicionar, provavelmente no setor privado".
Sobre entrar definitivamente para a política, ele também confirmou que sua posição sempre foi técnica e que pretende continuar buscando realizar trabalhos técnicos, agora no setor privado. "Não tenho nenhuma pretensão eleitoral. Não me filiei a partido algum. Nunca foi meu plano. Estou num nível de trabalho intenso desde 2014. Quero folga. E não quero pensar em política neste momento", esclareceu.
Moro também garantiu que não se arrepende de ter largado a magistratura para entrar no governo Bolsonaro. "A gente tem esse espelho da Operação Mãos Limpas, na Itália. Foi feito um trabalho fantástico lá pelos juízes, mas houve um retrocesso político na Itália naquela época. Eles lamentavam muito. Embora soubesse que minha ida para o governo seria controversa, o objetivo sempre foi continuar defendendo a bandeira anticorrupção, evitando retrocessos. Não, não me arrependo. Acho que foi a decisão acertada naquele momento. Agradeço ao presidente por ter me acolhido. Assumi um compromisso com ele que era muito claro: combate à corrupção, ao crime organizado e à criminalidade violenta. Eu me mantive fiel a esse compromisso", concluiu.
Comentários
Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site.